UMA VIAGEM FANTÁSTICA
Col: Olindo Corrëa
Texto: Paulo Bodmer

Vistes que, com grandíssima ousadia,
Foram já cometer o céu supremo;
Vistes aquela insana fantasia
De tentarem o mar, com vela e remo;
Vistes, e ainda vemos cada dia
Soberbas e insolências tais, que temo
Que do mar e do céu, em poucos anos,
Venham deuses a ser, e nós humanos !

Os Lusíadas, Canto VI, Est. XXIX

          Iniciada em Lisboa em 30 de março de 1922 chegou ao seu destino no Rio de Janeiro em 17 de junho de 1922, dois meses e meio depois. Devido a dois graves acidentes no percurso, foram 3 os aparelhos usados na travessia: o Lusitänia, que saiu de Lisboa, o Pátria Brasileira e o Santa Cruz que chegou ao destino.

          Nesta época, tudo parecia uma loucura quando se pensava em atravessar o oceano por ar, como fizeram as caravelas de Cabral por mar. Até então, a travessia aérea era feita por balizamento de navios, que sinalizavam os pontos por onde o avião deveria passar. E como colocar navios ao longo do oceano Atlântico até as costas do Rio de Janeiro ? Para se ter uma idéia, no vôo entre Terra Nova, Açores e Lisboa foram necessários 70 barcos para marcar o caminho. Assim, para chegar ao Brasil, eles não poderiam depender de navios ,mas deviam se orientar pelos seus próprios meios. Foi o primeiro problema que tiveram que resolver. Graças a experiência e a genialidade de Cago Coutinho o problema foi resolvido pelo astrolábio de precisão ou sextante, instrumento de reflexão para tomar ângulos e medir a altura do horizonte.

          Testam o aparelho num vôo de 7h40minutos a ilha da madeira.,isto é, fazem um vôo longo sobre o mar, sem outro auxilio que os próprios instrumentos de bordo. Daí em diante, a aviação não precisaria mais de navios para guia-la.

          Para resolver o segundo problema, que era o da autonomia de vöo, planejam aterrizar nos penedos de São Pedro e São Paulo, já próximos as costas brasileiras.

          Na manha de 30 de março de 1922, o hidroavião Lusitânia – um biplano de um só motor Rolls Royce, que trazia pintado na fuzelagem a Cruz de Malta e na cauda as armas portuguesas, fabricado em Londres pela Fairey Aviation Company ao custo de 5 mil libras esterlinas pagos pelo governo português – flutuava nas águas do rio Tejo se preparando para levantar vôo e singrar o céu, fazendo o mesmo roteiro da esquadra de Pedro Alvarez Cabral há 422 anos atrás. Entre bolachas, tabletes de chocolate e água, levavam também um exemplar de “Os lusíadas”, o poema símbolo do povo português.

          O primeiro avião da travessia, o Lusitânia cai no mar próximo aos penedos de São Pedro e São Paulo. Um segundo avião, o Pátria Brasileira, sai de Fernando de Noronha rumo aos Penedos, para continuar a viagem do ponto onde foi interrompida e por causa de uma tempestade sofre uma grande avaria deixando os náufragos sobre os flutuadores, que lentamente foram se enchendo de água. São rebocados pelo cruzador brasileiro República e levados para Fernando de Noronha. O governo português, então, decide enviar o terceiro avião, batizado pela esposa do Presidente do Brasil de Santa Cruz, que trazido de Portugal pelo navio Carvalho Araújo é posto na água dos Penedos e levanta vôo rumo a Recife e daí para o Rio de Janeiro onde em 17 de junho de 1922 pousa em frente a Ilha das Enxadas.

          É bom ressaltar aqui, que os astronautas portugueses foram os primeiros a utilizar métodos científicos, aparelhagem nova de sua invenção para traçar, antecipadamente, um plano de vôo matemático, dispensando balizamento marítimo.Antes deles, qualquer vôo sobre o mar tinha que ser balizado por navios.

          No Rio de Janeiro duas ruas lembram os aviadores lusos. No centro da cidade há a rua Sacadura Cabral , ligando o cais do porto à Avenida Presidente Vargas e, na zona sul está a rua Gago Coutinho, no bairro das Laranjeiras.

          Artur Sacadura Freire Cabral, oficial de marinha e aviador,nasceu em Celorico da Beira (1880-1924) e dois anos depois da travessia fantástica morre de desastre no mar do Norte, quando voava em direção a Lisboa. Seu corpo nunca foi encontrado. Viveu 44 anos.

          Carlos Viegas Gago Coutinho, almirante da armada portuguesa, historiador, matemático e geógrafo. Nasceu em Lisboa (1869-1959). Autor de vários trabalhos históricos e geográficos, foi o inventor do sextante. Viveu 90 anos.



FONTE:

Pinheiro Corrêa, “Sacadura Cabral – Homem e Aviador”, Edição O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1966, 401 pag

Anísio, Colonnese e Monteiro, Álbum “A Fantástica Aventura”,Editora Brasil-América, Rio de Janeiro, 1972

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